segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Não tenho ciúmes!

Não tenho ciúmes! Verdade! Calma, não precisa gritar. Vou lhe contar uma historia, você vai entender... Não quis dizer isso... Mas tem tudo haver. Nos dois sabemos o motivo dessa rejeição, mas eu não estou disposto a te deixar fazer tamanha barbárie por um motivo tão tolo. Sente... Garçom! Mais uma! Sim, sim, onde estava... ah sim... ia contar uma historia. Uma não, a historia. Artigo pessimamente empregado. Pois está é a historia da minha vida. É aquilo que definiu todas as minhas escolhas. É a busca mais intrínseca da minha alma. Apesar de não ser budista sempre acreditei em alma e em uma missão para cada um de nos. E essa é a missão da minha vida, e estou disposto a contar-la. Sem pedir nada em troca.

Tudo começou quando tinha dezenove anos. Como todas as decisões que realmente importam, ela foi tomada em um dia de tédio total. Não sei porque as decisões nesse período são especialmente importantes. Na maior parte dos casos elas começam e acabam no mesmo dia. Mas as que ficam, representam uma espécie de grito contra o tédio, representam uma luta contra aquela sensação. Por mais absurda que seja. É a pressão do tempo perdido. Já a angustia pode tornar as decisões mais rápidas. Mas dificilmente tem o mesmo impacto de uma decisão pensada e baseada na antítese da vida, o tédio. Essas sim importam. Essas sim mudam o mundo. Aposto que quando Einstein decidiu fazer a bomba atômica, era porque ele estava entediado com aquele monte de formulas e papelada. Nunca disse que as decisões são necessariamente boas. Elas apenas são importantes.

Em um dia de tédio, tive uma idéia para ocupar meu tempo. Descobrir a pior de todas as sensações humanas. A mais destrutiva. A mais opressora. E por assim vai... Acho que você consegue entender a pintura. Esperta do jeito que parece ser! Sempre achei que as morenas têm um olhar inteligente próprio, como ninfas que gozam de nos, pobres meninos... mas isso é outro problema. Como dizia, resolvi buscar a pior das sensações humanas. E isso me levou a uma serie de reflexões sem respostas. A verdade, é que imaginar, não é suficiente, esse é o tipo de conclusão que só pode ser feita empiricamente. E assim comecei a testar. Em outras pessoas, como qualquer bom cientista, é claro.

O erro mais comum nessas pesquisas é começar a procurar pelos sete pecados capitais. A verdade, é que eles são, pelo menos alguns, muito prazerosos. Tome a gula, por exemplo. Ninguém se sente infeliz por comer de mais. Você se sente infeliz por comer de menos. A não ser que você tenha anorexia. Mas nesse caso, a gula é punição, e bem que seria bem vinda. Portanto, não pode constituir um problema muito serio. Outros, como a avareza, são mais complexos. Eles não são destrutivos, pois não havia nada construído anteriormente. Digamos que são de uma infelicidade ética enorme. Mas não pode ser a pior dentre as sensações. A avareza, em especifico, ou o egoísmo, não constitui algo ruim por si só. Ele é ruim caso você tenha criado esperanças sobre alguém egoísta. Mas daí, a culpada seria a esperança, não o egoísmo. Esse é uma característica socialmente deseducada. Quem sabe até humanamente condenável. Mas é só.

Mas uma delas me pegou. O ódio. Ou raiva. A que você preferir. Dependendo da língua uma é mais forte do que a outra. Na nossa é o ódio, até por isso utilizei-a primeiro. Não consigo imaginar nenhuma característica mais carregada de pontos negativos do que essa. Ela é como uma fossa de pontos negativos que vão se acumulando. E é especialmente destrutiva. Poucas coisas podem agüentar o ódio de uma pessoa. Essa é uma característica que destrói tudo que foi construído, tudo o que poderia ter sido construído. E toda a sensação para o mal que merece ser experimentada. Uma vez é o que você necessita. Nada crescera naquele campo, por milhões de anos. Ou quem sabe até uma próxima encarnação, quando as almas serão obrigadas, por um ente extremamente sádico, a se reconciliarem a força. Como disse, não sou budista. Mas todas essas coisas espirituais me interessam muito. Sinto-me ligado com algo maior, às vezes me sinto pequeno diante... De tudo isso! Você não? Sabia que sim, já sentia que você acreditava nas mesmas coisas que eu... Alias, qual é o seu signo... Peixes?

Está convencida não? Eu também fiquei. Mas como já disse, a filosofia não é suficientemente boa. A parte empírica é extremamente importante. E a verdade é que, observando, descobri ser o ciúme a pior das sensações. Mas muito pior do que a inveja. Estranho não? Mas verdade de qualquer forma. Sei que essa é uma sensação que não pensamos quando buscamos a pior dentre as sensações. Não pensamos, pois ela não tem a conotação puramente negativa dentre outras. Todos nos a consideramos aceitável. Inicialmente! E que essa palavra seja marcada a fogo, pois é extremamente importante para o resto da historia.

Não, não, a inveja não é tão ruim. Sei que, muitas vezes, quando sentimos inveja, temos vergonha de falar, e na incompetência de achar a palavra especifica usamos ciúmes para diminuir o fato. Doce engano. Primeiro você não sentiu ciúmes, sentiu inveja. E a inveja impede a construção. Os ciúmes não. Ele não está presente desde o começo. Os ciúmes ocorrem quando invejamos algo que achamos que por direito é nosso. Algo que já conquistamos, ou achamos ter conquistado. Veja, ironicamente, ele prevê uma construção anterior a ele. Filosoficamente as coisas começam a fazer sentido. Ele é a mais destrutiva das sensações, pois é o verme que ataca as construções dos relacionamentos humanos. É o verme que ataca o amor e a amizade. Sem escrúpulos.

Percebi isso devido a um amigo. Como disse, a experiência foi empírica. Apesar de agora já ter arrumado argumentos. Mas, como dizia, foi devido a um amigo. Ele chorava compulsivamente. Nunca gostei de homens chorando no meu ombro. Tenho sempre uma sensação incomoda de fraqueza, como se soubesse que um dia seria eu naquela posição embaraçosa. E ele chorava muito. E me contava uma historia. A historia, melhor dizendo, do seu relacionamento. Acho que a cerveja não permite que utilize os artigos certos. Mas não estou bêbado. Apenas leve.

Contou-me a mais linda das historias de amor. Como havia conhecido ela. Dos passeios, dos amores, das risadas. Lembramos especialmente das risadas das pessoas amadas. Eu pelo menos lembro. Por isso gosto tanto quando você ri. É a lembrança que não vai se apagar da memória... Mas voltando. Contou-me tudo isso. E começou a contar os eventos seguintes. O ciúme diante de uma saída com um amigo. O ciúme diante de uma noite que não o convidasse para sair. O ciúme diante do amor que as outras pessoas ganhavam. E o ciúme é algo irracional, algo complicado. Ele oprime e tira espaço. Acaba consumindo a pessoa. E o relacionamento. No pior dos casos também consome a outra pessoa, que não sabe como atuar diante dessa característica. E finalmente, diante do mal-humor, da opressão, das acusações, a outra pessoa se cansa, e, por mais amor que tenha, pensa nela e acaba aquilo que nasceu belo, mas que foi consumido. O ciúme é como os cupins. Em baixas quantidades ele torna a manutenção da relação mais saudável, pois ela não fica antiga. Mas em altas quantidades, ele destrói as bases, até o ponto que a demolição, a quebra e o futuro desabamento é inevitável. E assim se deu com meu amigo. Que chorava a destruição do que de mais belo havia construído. Do seu primeiro grande amor. Chorava com uma criança. E não poderia reprimi-lo.

E foi ai que tudo ficou claro. Se o ódio é o ponto de acumulação de todas sensações propriamente negativas, o ciúme tem a ousada e sádica mania de grudar no ponto de acumulação de todas as boas sensações humanas. E corroe-las. E destruí-las. Você já está convencida? Pois é extremamente claro. O ódio destrói tudo ao seu caminho, seja bom ou ruim. Mas o ciúme destrói o bom, o infinitamente bom. Aquilo que nem o ódio consegue destruir. Ele destrói o amor, destrói a amizade, destrói a família. Ele é a maior pedra antes da felicidade. Ele é suicídio de nossos sucessos. Não posso pensar em nada pior do que isso. Não posso pensar em nada mais mórbido.

Mas o que isso prova? Só porque tenho esse abençoado, ou desgraçado, conhecimento, não significa que tenha resolvido o problema. Sim, é verdade. Mas isso é corrigível. Posto que, se não posso resolver com segurança, uma vez que o ciúme é a praga que ataca todas as pessoas, tenho a segurança de que não estou exagerando ou de que as coisas não são tão importantes. Fato é que excluir o ciúme de nossas vidas é impossível, e de utilidade questionável. Como já disse, ter em dose certa, pode fazer um relacionamento ser constantemente lubrificado, constantemente reerguido. Por isso digo que sei muito bem onde está o equilíbrio, e assim posso atingi-lo.

Ué!! Você está rindo!... Não é bom o suficiente?... Bem, digamos que existem historias que merecem ser difundidas, pelo bem da humanidade. Ou pelo bem de uma linda mulher. Mentira?... Não, não menti em momento nenhum...Tudo a mais pura verdade... Bem, sabia que com você a coisa teria que ser de uma classe mais elevada, senão você não acreditaria em mim... Mas quem na verdade mentiu aqui?

Passou a língua pelos lábios. A preparação é inconsciente, representa o objetivo masculino, não dando chance para enganos. Acaba a cerveja em um gole só. Levanta-se dando as costas aos amigos, e com um olhar de determinação atravessa o bar até a mesa daquela moça que não conseguiu parar de sorrir e mexer nos cabelos desde seus primeiros olhares. Não dando a menor duvida sobre o convite, mas misturando isso com uma ponta de embaraço. Isso não tira sua confiança. Apenas o prepara para uma luta um pouco maior. Apresenta-se e senta. Ela então lhe diz que tem um namorado. Ele não acredita em nenhuma palavra. Mesmo porque não são muitas. Saboreia a dificuldade que aparece. Pede um drinque para ela, contra o seu gosto. E começa. Começa aquilo que sabe fazer de melhor. Mente. Descaradamente. Quanto mais melhor, mais próximo de seu objetivo. Mas a mentira de um homem para uma mulher não é mentira, é a felicidade mutua. É a sobrevivência da espécie.

No fim, ele conseguiu o que queria. Depois de muitas risadas, ela se entrega dizendo que não tem namorado. Diz que namorou por oito anos e estava nervosa, agiu por reflexo. Ele sorri internamente. Comemora cada sorriso que conquistou com aquele absurdo de estória. Sabia muito bem que era ciumento... Ele, finalmente a beija. Mas o destino guarda uma ultima revelação para eles. Ou melhor, uma ultima mentira. Pois, ao se aceitar a humanidade, aceita-se com ela todos os sentimentos, para o bem e para o mal. Mas nesse momento, eles não precisam saber disso. Estão construindo. E se a construção está condenada, isso não quer dizer que ela não mereça ser construída. Tijolo por tijolo. Aproveitando-se cada segundo.

Um comentário:

Unknown disse...

Ei André?
Foi você mesmo que escreveu tudo isso? =)
Adorei esse post! Achei muito instigante!
Beijos,
Marina.